Considerado uma das maiores personalidades do Brasil e um dos melhores fotógrafos da história mundial, Sebastião Salgado viajou por mais de 120 países e marcou gerações com seu trabalho, onde registrava – sempre em preto e branco – além do que as lentes podiam captar. O ícone da fotografia teve sua morte confirmada nesta sexta-feira (23) pelo Instituto Terra, organização que ele mesmo fundou.
Seu falecimento foi atribuído a um distúrbio sanguíneo causado pela malária e contraído na Indonésia. Como não conseguiu tratar da doença apropriadamente, acabou se aposentando em 2024, afirmando que seu corpo estava sentindo “os impactos de anos de trabalho em ambientes hostis e desafiadores”.
Sebastião nasceu no distrito de Conceição do Capim, em Aimorés, no interior do estado de Minas Gerais. Entretanto, viveu a maior parte de sua infância em Expedicionário Alício, outro distrito do mesmo município. Ele se formou em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), e fez mestrado e doutorado na área, nas Universidades de São Paulo (USP) e Paris (U-Paris), respectivamente.
Sua atuação como fotógrafo começou quando trabalhou para a Organização Internacional do Café (OIC). Lá, ele teve a oportunidade de viajar pelo continente africano, muitas vezes em parceria com o Banco Mundial. Após sua primeira sessão de fotos nos anos 70, a paixão pela fotografia o levou a se tornar fotojornalista independente em 1973, retornando a Paris.
Em 1979, depois de passagens pelas agências de fotografia Sygma e Gamma, Salgado entrou para a Agência Magnum. Encarregado de uma série de fotos sobre os primeiros 100 dias de governo de Ronald Reagan, ele documentou o atentado contra o então presidente dos Estados Unidos em 30 de março de 1981, em Washington. A venda dessas fotos para jornais de todo o mundo permitiu ao brasileiro financiar seu primeiro projeto pessoal: uma viagem à África.
Jornal destacando o feito de Sebastião Salgado, no ano de 1981.
Seu primeiro livro, “Outras Américas” (1986), abordou a pobreza na América Latina. No mesmo ano, publicou “Sahel: O Homem em Pânico”, resultado de uma colaboração de doze meses com a organização Médicos sem Fronteiras, cobrindo a seca no Norte da África. Entre 1986 e 1992, ele concentrou-se na documentação do trabalho manual global, publicado e exibido sob o nome “Trabalhadores”, que consolidou sua reputação como um fotodocumentarista de destaque.
Foto do livro ‘Outras Américas’, de Sebastião Salgado. Imagem: Divulgação.
De 1993 a 1999, ele voltou sua atenção para o fenômeno global de desalojamento em massa de pessoas, que culminou em “Êxodos” e “Retratos de Crianças do Êxodo”, publicados em 2000 e aclamados internacionalmente. Na introdução de Êxodos, Salgado escreveu: “Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte, migram para melhorar sua sorte, constroem novas vidas em terras estrangeiras, adaptam-se a situações extremas…”
‘Êxodos’, de Sebastião Salgado. Amazonas Images / Contrasto.
Ambientalismo
Além de sua vasta carreira na fotografia, Salgado é reconhecido por seu trabalho focado no ambientalismo, mais especificamente na luta pelo reflorestamento da Mata Atlântica brasileira. Através de suas fotografias, ele documentou paisagens, vida selvagem e comunidades em harmonia com a natureza. Em seus projetos, sempre buscou destacar a beleza e a fragilidade do planeta, alertando sobre a destruição ambiental e inspirando ações.
Uma de suas contribuições mais efetivas para o meio ambiente é a fundação do Instituto Terra em 1998, ao lado de sua esposa, Lélia Wanick Salgado. O projeto de reflorestamento fica na antiga fazenda de seus pais em Aimorés, Minas Gerais.
O maior trabalho do órgão é a recuperação de ecossistemas degradados. A fazenda, antes totalmente desmatada, foi transformada em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), com o plantio de milhões de mudas de árvores nativas da Mata Atlântica. A iniciativa resultou no retorno das nascentes, da fauna e flora locais, e na restauração da biodiversidade.
O instituto também atua na educação e conscientização sobre a importância da conservação ambiental, oferecendo programas e visitas que demonstram os resultados da recuperação da floresta. Além disso, promove o desenvolvimento rural sustentável, buscando aliar a agricultura com a floresta e desenvolver projetos que promovam o uso sustentável da terra e melhorem a qualidade de vida das comunidades locais na Bacia do Rio Doce.
Sua última obra, “Amazônia”, lançada em 2021, homenageou os indígenas da região amazônica do Brasil. Na publicação, Sebastião Salgado celebra a sobrevivência da cultura, dos costumes e língua dos povos originários do país.
A trajetória de Sebastião Salgado também foi eternizada no cinema. Em 2015, sua vida e carreira foram retratadas no documentário “O Sal da Terra”, dirigido por seu filho, Juliano Ribeiro Salgado, e pelo cineasta alemão Wim Wenders. O documentário foi laureado em Cannes com o prêmio especial do júri na mostra “Um Certo Olhar”, venceu o César de Melhor Documentário e figurou entre os indicados ao Oscar também na categoria de Melhor Documentário.
Ao longo de sua carreira, Sebastião foi premiado com diversas honrarias. Recebeu a comenda da Ordem do Rio Branco no Brasil, era membro da Academia de Belas Artes francesa, membro honorário da Academia de Artes e Ciências dos Estados Unidos, Doutor Honoris Causa pelas Universidades Federais do Espírito Santo e Acre, Embaixador da Boa Vontade da UNICEF e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Harvard.