A presidente da Associação de Baianas de Acarajé (Abam), Rita Santos, se manifestou com veemência contra a recente tendência dos chamados “acarajés do amor” — bolinhos tradicionais servidos com recheios doces como brigadeiro e morango, em cidades como Aracaju (SE) e Maceió (AL).
Durante entrevista nesta segunda-feira (4), em Salvador, Rita criticou as modificações na receita original do quitute, que tem profunda ligação com a cultura afro-brasileira e as tradições religiosas do candomblé.
“Não há nenhum problema de inovação, criatividade e estratégia de marketing com elementos da Bahia, mas o acarajé não faz parte das tendências da moda. Ele é um alimento sagrado, que está associado à nossa cultura”, afirmou a presidente da Abam.
Segundo Rita, cada ingrediente do acarajé tem um simbolismo ancestral, e modificá-los compromete não apenas o sabor, mas a história e a identidade do prato:
“Tudo que vier como tendência passará e é só moda. O acarajé existe há mais de 200 anos e, se depender de nós, baianas do acarajé, da Associação e acredito que de toda a população da Bahia, essa estrutura vai continuar por mais 100 anos.”
A polêmica surgiu após viralizarem nas redes sociais versões doces do prato, como a do Acarajé da Irmã Jane, em Maceió, e a da empreendedora Ingrid Carozo, em Aracaju. As versões doces incluem recheios de brigadeiro de leite em pó, caramelo e até creme de avelã. Segundo Ingrid, a ideia surgiu após o sucesso do “morango do amor”, e a proposta era apenas uma ação de marketing.
Apesar das boas intenções comerciais, Rita Santos reforça que iniciativas assim ferem a essência do acarajé:
“O acarajé é mais que um prato. É expressão de identidade, é cultura afro-brasileira, por isso respeitar a receita original é fundamental para preservar a autenticidade.”
A Associação de Baianas de Acarajé já emitiu nota de repúdio contra as variações açucaradas, afirmando que pratos assim podem até ser chamados de “bolinho de feijão doce”, mas nunca de acarajé.
Relembre Outras Polêmicas
Nos últimos anos, diversas versões “criativas” do acarajé geraram debates. Entre elas:
- Acarajé rosa (inspirado no filme da Barbie)
- Barca de acarajé (imitando barcas de comida japonesa)
- “Pizzajé” e “Pizzará” (formato de pizza)
- “Picoré” e “Picorá” (em formato de picolé)
- Ovo de Páscoa de acarajé
- Acarajé burguer e acarajé com creme de avelã
Todas reprovadas pela Abam, que reforça o caráter ritual e ancestral do prato, ofertado a orixás no candomblé.
O que é o acarajé?
De origem iorubá, o nome vem de àkàrà je, que significa “comer bola de fogo”. A iguaria chegou ao Brasil com os africanos escravizados e foi fonte de renda para muitas mulheres negras, especialmente após a abolição.
Produzido com feijão fradinho, cebola e sal, o bolinho é frito no azeite de dendê e tradicionalmente recheado com vatapá, caruru, camarão e vinagrete. Desde 2005, o ofício das baianas do acarajé é Patrimônio Cultural do Brasil, reconhecido pelo Iphan.
‘Acarajé do amor’ criado por quituteira sergipana. — Foto: Reprodução/ Redes Sociais